Conversa Urbana - O furo no aquário

Postado em 17.5.10 por Urbanias |

Hoje, 17 de maio, o Urbanias estreia mais um espaço em seu blog: o Conversa Urbana. Por aqui, sempre às segundas-feiras, postaremos uma breve entrevista com um especialista, sobre alguma questão da cidade, para saber como ela ocorre, e como poderia ser resolvida.

Abaixo, segue a conversa com o doutor e professor de Arquitetura e Urbanismo e especialista em conforto ambiental, Milton Vilhena Granado Jr, sobre como o barulho se espalha pela cidade, e como ele poderia ser contido ou evitado.

 

Você está em casa, e aí começa uma festa na vizinhança. Tem algo que se possa fazer na casa para amenizar o barulho?


Você ir pra festa (risos). É isso que o pessoal faz: convida pra festa pra você não reclamar. Isso é cultural. A legislação estabelece que, depois de certa hora, não se pode fazer barulho acima de tanto, mas as pessoas extrapolam.

A posteriori, encarece muito fazer o isolamento. Para isolar por completo, seria preciso fazer uma caixa desconectada da parede, porque o som passa por ela. E não poderia ter contato da parede nem do teto com esta estrutura. E outra coisa: é preciso ter ar condicionado. Caso contrário, na hora que se abrir pra ventilar, o som entra.

A questão do isolamento é como um furo no aquário. Se tiver um buraquinho, a água vaza. Da mesma forma, qualquer buraquinho serve como fonte de ruído. No metrô, por exemplo, tem um basculante em cima. Se for aberto, o barulho já entra. É pouca fresta, mas o suficiente pra entrar bastante ruído.

O Urbanias realizou algumas medições de barulho no metrô, e encontrou grande variação entre os dados obtidos com o vagão vazio e com o mesmo cheio. Em casa, acontece o mesmo?

Ao colocar móveis, se atenua em média 8 db, se comparado a um quarto vazio. Quanto mais tiver de mobiliado, especialmente de estofados, vai ser maior a absorção, só que vai absorver os agudos. E o que você tem nas ruas, em grande parte, são os graves, como o barulho de motor. Este ruido, que é de um grande comprimento de onda, precisa ter uma barreira muito grande, senão ele passa. Durante a noite, quem mora no Morumbi, por exemplo, chega a ouvir um pouco do barulho dos carros que passam na Marginal Pinheiros.

E nas ruas, os prédios funcionam como “barreiras” ao som?

Num bairro que tem maior densidade, que tem muito prédio, há uma inter-reflexão muito grande. Se tiver um prédio, uma avenida, e nada, beira-mar por exemplo, o som reflete nos prédios e depois vai embora. Se você tem duas fachadas paralelas, o som vai ficar se refletindo até ser absorvido, o que piora quando você tem um ambiente mais fechado.

Quanto mais “buraco” você tiver pra deixar passar o som,  melhora a situação. Se tem um espaço entre duas residências, o som vai escapar por ali. Se for uma rua com casas juntas nos dois lados, vai haver reflexão. Vale ainda a questão do aquario: se você abrir um buraco, a água vai embora. Se você deixar tudo fechado, ela permanece ali.

E tem o som direto também: esse não tem jeito. É o ruído de bar: to aqui conversando com você, o cara do lado está ouvindo. Esse é dificil de controlar. Já o som reverberado, que fica no ambiente, com isolamento e uma absorção complementar, se consegue melhorar a condição do ambiente.

E quais materiais absorvem mais o som?

As espumas, materiais porosos e fibrosos são excelentes absorventes de sons de alta frequencia. A partir dos 1000 hertz, chegam de 50 a 90% de absorção. Já o concreto, vai absorver pouco, tanto na baixa quanto na alta frequencia, pois tem uma densidade alta. Grosso modo, quanto mais denso o material, menor a absorção.

E um dos lugares mais barulhentos, os túneis do metrô, como não poderia deixar de ser, são todos de concreto...

Mas você pode tratar. Na França, por exemplo, eles colocam um tratamento acústico nas extremidades dos túneis, para o ruído não prejudicar as habitações próximas. O túnel da Nove de Julho, em São Paulo, tem umas placas perfuradas. O som passa por esses buraquinhos e entra numa câmara de ar, que segura parte do som. Além disso, nem todo o barulho que entra acaba saindo pelo mesmo canal. Vai ficar rebatendo até perder a força, como se fosse uma bola de tênis.

Imagina que você tem uma bola de tênis que você joga numa parede e ela volta. Se tem uma cortina na parede, ela bate e “morre” ali. Há uma absorção da energia que havia na bolinha. Se bate na parede, essa energia continua, e ela bate em outra parede, e em outra, e em outra, até perder a força. Com o som, é a mesma coisa. O primeiro de tudo num tratamento acústico é a fonte do barulho. Depois o meio, depois o receptor. A eficiencia aumenta se você trata a partir dessa sequencia. 

Mas na cidade, isso nem sempre é possível. Não podemos parar os carros..


É o motor do carro, moto com escapamento aberto, uma loucura. Se o cara tem uma moto que está com escapamento, dá 110 db. Ele passa o dia em cima de 110 db. Mesmo com capacete, ele tá em cima da fonte. Gera um ruído muito forte.

Tem os motores dos ônibus também.

E o motor tá ali, dentro da cabine, do lado do motorista. O passageiro sobe, desce ali, acabou. Mas o motorista, que tá lá o dia inteiro, esse sofre muito. Tem também muito problema com escolas. Normalmente, escolas do Estado e da Prefeitura são em áreas que não são adequadas para especulação imobiliária. Pra facilitar o acesso do aluno, eles colocam o ponto de ônibus em frente à escola. Imagina um ônibus saindo de uma ladeira, em primeira marcha.

Aí falam: o aluno é burro, ele não aprende. Ele não escuta o que o professor fala. Nós fizemos um trabalho pra uma escola que a diretora pegou dinheiro da Associação de Pais e Mestres, a APM, e investiu em janela anti-ruído. Só que se fecha, não ventila. Aí abre a porta da escola, tem o pátio. Então, tem que se resolver no projeto. Tem que se ter uma geometria acústica adequada pra sala: próximos de onde está o professor, materiais mais reflexivos; no fundo da sala, materiais absorventes.

Pena que esse planejamento acaba não chegando às escolas públicas..

Pra economizar, a qualidade dos materiais utilizados é muito ruim. Mas se pode resolver isso de outra forma: colocar a quadra esportiva junto com a via, por exemplo. Pela distância você atenua o ruído. Pode-se fazer um zoneamento dentro do projeto, e afastar o máximo possível das fontes de ruído os elementos que precisam ser protegidos, que nesse caso é a sala de aula. Não se precisa ter materiais muito sofisticados, porque pela distância você já se resguardou. São ações que ajudam sem encarecer. Só é preciso ter bom senso: se tem barulho ali, me afasto e acabou.

 
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